Tantas
certezas suspensas no vácuo do vazio, tão poucas seguranças veementes e tantas
dúvidas que naufragam a implorarem socorro curvadas nas cavernas da alma. Não
existem certezas no nosso caminho a trilhar sob a forma de vida com olhos
pernas e braços. Tudo muda, tudo abraça uma cinestesia ambulante. O tempo
amolece a fúria, domestica a impetuosidade selvagem e coloca freios à
expressão, mas não ao pensamento. O pensamento, ai o pensamento, um eterno
selvagem, sem modos nem etiquetas come primeiro a sobremesa e acaba no prato
principal, coloca os braços em cima da mesa e não limpa os lábios nem mesmo
quando estes estão maculados com mentiras. Nada disso, com aquele ar vespertino
arregaça as mangas e desafia-nos. Que mal-educado que é, sangue quente de
adolescente e irreverência obstinada, lá está ele sentado com o seu ar
fleumático. Passa o tempo por nós, de forma sublime por vezes exorciza-nos do
nosso pensamento prevaricador e ensina-nos a viver em paz connosco e com os
nossos fantasmas burgueses. Acaricia-nos a alma, dá-nos um beijo de boa noite,
queremos cerrar as pálpebras, velar sobre o pensamento e descansar. Bate à
porta a noite, é o sossego do desassossego. Não conseguimos silenciar esta voz
interior que nos assola a cada momento, vem sem aviso prévio, molesta-nos o
coração, verga-nos aos caprichos dela e manuseia-nos como uma marioneta.
Pensamento, o nosso verdadeiro não o heterónimo mas sim o homónimo.
Podem
florescer campos infinitos garridos de flores e amor, crianças brincando nas
espumas das ondas, tudo isso é uma verdade indelével para os sentidos. Mas o
pensamento, esse, está sempre à espreita. De olhar soslaio ele absorve-nos com
a sua iridescência mágica e faz-nos tropeçar no mundo das mil possibilidades,
um jogo de espelhos ardiloso, um labirinto que resvala para um afluente
modorrento.
Podes entrar,
hoje já não és estrangeiro, já não és estranho. Hoje, aceito-te, com a bandeira
e a espada prostradas no chão. És parte de mim, o meu âmago, catalisador
camuflado de todas as sensações, voz consciente virtuosa das premissas mais
genuínas da vida, és a aprendizagem que vou agarrar mais tarde que agora procrastino
e que, empurro devagarinho com o dedo para o sabor não ser amargo.
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