quarta-feira, 18 de março de 2015

Re-Food - Quando o desperdício se torna vital

Re-Food - Quando o desperdício se torna vital




Para percebermos a origem desta distinta iniciativa, teremos de recuar até 2011, quando Lisboa se deparou com uma figura emblemática e singular, inicialmente conhecido como o “estrangeiro maluco” que conduzia uma bicicleta e distribuía por famílias carenciadas sobras de alimentos que recolhia de restaurantes. Esse probo “estrangeiro maluco” chama-se Hunter Halder, e é o fundador de um dos projetos mais solidários e virtuosos alguma vez implementados em Lisboa, o Re-food.
Investido de uma perspetiva utilitarista, assume como objetivo principal o resgate das sobras alimentares dos diferentes estabelecimentos de forma a aquecer estômagos vazios, aferir esperança e combater os espasmos espectrais da fome. Um utilitarismo, que segundo a minha ótica, completamente fascinada pelo projeto, remonta taxativamente à doutrina ética postulada por Jeremy Bentham e John Stuart Mill defendendo que as ações são boas quando tendem a promover a felicidade e más quando tendem a promover o oposto da felicidade, enaltecendo o princípio do bem-estar máximo.
Assim, o Re-food é o resultado da projeção e materialização de um esforço humanitário de cariz voluntário a nível local, onde os voluntários reúnem empenho e amor em prol do próximo, guiados por uma moral eudemonista coletiva. É bastante sensibilizante a solidariedade humana que se sente no interior destas instalações, onde tive o privilégio de presenciar, no Re-food da Freguesia da Estrela, e desde já os meus parabéns para a equipa fantástica e incansável, o cuidado e a dedicação que se sentia nas mãos e palavras dos voluntários ”Esta refeição é para aquecer porque o casal não tem eletricidade.” Deixa-nos a pensar, a fome, esse flagelo social, um czar impendioso, segundo as palavras de N. Nekrasov, que apenas pode ser combatido com comida, e não através de palavras preocupadas ou opiniões não comestíveis, comida resgatada pelas equipas de cidadãos que salvam mais de 20.000 refeições por mês, a um custo real de menos de 10 cêntimos por refeição. Um modelo brilhante, portador de uma extensão solidária desmesurada, eficiente e eficaz, otimizando assim os recursos comunitários que anteriormente se encontravam subaproveitados.Tudo isto através de uma fórmula simples e inovadora que em
simultâneo é gratificante para quem ajuda e nevrálgico para quem recebe essa ajuda.
Como podemos ver, tudo começou com um homem, uma visão e uma bicicleta, e esse homem “estrangeiro maluco” faz eco a Kafka quando dizia que os bons vão ao passo certo, os outros, ignorando-os inteiramente, dançam à volta deles a coreografia da hora que passa. As horas com a impetuosidade do tempo transformaram-se em dias, meses e anos, e hoje, deixa atrás de si um legado inebriante e inspirador que nos obriga a dobrar e a fazer uma vénia a Hunter Halder e, a todos os seus séquitos.

Parabéns!

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