quarta-feira, 18 de março de 2015

O Perfume da Vergonha

O Perfume da Vergonha




A vergonha é um sentimento penoso, que nos assola, e que nos molesta. Sentimos vergonha quando achamos que estivemos aquém de nós próprios, quando sentimos o peso da desonra, ou, quando o carácter fica macilento. Daí entendermos comummente que o pejo evita atos indecorosos evitando a indignação e revolta.
Vergonha foi o que eu senti, não só como advogada, mas também como cidadã, quando ouvi as palavras proferidas pelo colega Dr.º João Araújo, um banquete explícito de ofensas, ornamentado com palavras bastante tenazes e ofensivas no dia 16 de Março. Não foi parco nas palavras, não se coibiu de ser inconveniente e de insultar uma jornalista dizendo-lhe que cheirava mal e que deveria tomar banho resvalando este discurso para um final cavernoso quando diz “esta gajada mete-me nojo”. Senti vergonha!
Um advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, reforçando ainda no seu n.º2 que, a honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações profissionais, artigo 83.º do Estatuto da Ordem dos Advogados. Não se coaduna de todo com o cenário ocorrido aos pés do Tribunal Constitucional, onde ganhei vertiginosamente naqueles instantes consciência de todos os músculos do meu corpo devido ao contorcionismo itinerante que perseguia avidamente cada palavra temerária do Doutor João Araújo.
Uma falta de savoir faire grotesca, um comportamento indelicado que varou grosseiramente o Estatuto da Ordem dos Advogados desrespeitando-o e, pondo em causa os deveres e o papel do advogado na sociedade. Independentemente dos motivos que possam existir e que, não são descortinados, lamento este triste episódio, que ofende, desprestigia e faz enrubescer a classe, onde a vergonha saiu de cena entregando o seu papel principal à arrogância e à falta de cortesia e profissionalismo. Creio na resiliência da vergonha e na sua constante metamorfose, esperando assim que ela espreite e levante a sua bandeira de desculpas, demonstrando que a inteligência suplantou a vaidade de forma a subir nas escadas da moralidade, fazendo
desta forma respirar e viver a honra dos advogados! 

Uma cidadã e advogada.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem não é um esboço!

A Declaração Universal dos Direitos do Homem não é um esboço!



O apelo da Amnistia Internacional tem estado na ordem dia, no que diz respeito à suspensão voluntária do direito de veto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização dos Nações Unidas de forma a barrar resoluções quando estão em causa situações de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Penso que a opinião é consentânea e pouco efervescente, quando nos reportamos a 2014 e nos deparamos com as falhas gravíssimas e reiteradas na proteção de milhões de pessoas subjugadas à violência hedionda dos seus governos ou de grupos militantes armados, como no Estado Islâmico, o Boko Haram ou Al-Shabab. Se atentarmos para o relatório anual das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos no mundo, divulgado 25 de Fevereiro do presente ano, a Amnistia Internacional cataloga o ano anterior como “um ano catastrófico” e “devastador” no que diz respeito a milhões de pessoas que sofrem em zonas de guerra ou foram envolvidas em conflitos. Não é necessário sermos cidadãos muito atentos para nos apercebermos que os exemplos não são parcos, a guerra civil em curso na Síria já ceifou 200 mil vidas, o Estado Islâmico, que se apoderou de uma extensa parcela territorial do Iraque, ao assalto a Gaza pelas Forças de Defesa de Israel assassinou mais de 2000 pessoas, aos crimes pérfidos de Boko Haram na Nigéria ou à violência sectária e religiosa na República Centro-Africana e no Sudão do Sul.
Todas estas situações têm despoletado uma ataraxia revoltante por parte da comunidade internacional. Todos os dias somos bombardeados com informações que nos fustigam a sensibilidade e verificamos que a inércia tem sido gutural perante as atrocidades que se materializaram e materializam com as repressões, violações, ataques, perseguições e esventramento aos direitos humanos em praça pública. Esta amorfidade dolosa em não ter assistido milhões de pessoas, tanto no holocausto do mar mediterrâneo, ou na Síria onde mais de 7 milhões de pessoas foram compelidas a deixar os seus lares tem provocado uma grande revolta ígnea e desconcertante. O problema é que esta facínora encontra-se escudada sobre um chavão blindado à prova de direitos humanos, que nos convence que tudo isto é necessário para manter a "segurança nacional" (o que também se pode ler no relatório).
Não me consigo conformar com o olhar desinteressado, com o assobio de soslaio, com o fracasso internacional miserável que todos temos presenciado, tudo isto desagua numa morfogénese dos direitos humanos fazendo-os recuar no tempo e status envergonhando-os. Há 60 anos, em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, os representantes dos 56 países membros da Organização das Nações Unidas aprovaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O texto foi ratificado com 48 votos
a favor, 8 abstenções e nenhum voto contra.Os números de mortes registados em 2014 são um ultraje que fazem corar essa data!


Re-Food - Quando o desperdício se torna vital

Re-Food - Quando o desperdício se torna vital




Para percebermos a origem desta distinta iniciativa, teremos de recuar até 2011, quando Lisboa se deparou com uma figura emblemática e singular, inicialmente conhecido como o “estrangeiro maluco” que conduzia uma bicicleta e distribuía por famílias carenciadas sobras de alimentos que recolhia de restaurantes. Esse probo “estrangeiro maluco” chama-se Hunter Halder, e é o fundador de um dos projetos mais solidários e virtuosos alguma vez implementados em Lisboa, o Re-food.
Investido de uma perspetiva utilitarista, assume como objetivo principal o resgate das sobras alimentares dos diferentes estabelecimentos de forma a aquecer estômagos vazios, aferir esperança e combater os espasmos espectrais da fome. Um utilitarismo, que segundo a minha ótica, completamente fascinada pelo projeto, remonta taxativamente à doutrina ética postulada por Jeremy Bentham e John Stuart Mill defendendo que as ações são boas quando tendem a promover a felicidade e más quando tendem a promover o oposto da felicidade, enaltecendo o princípio do bem-estar máximo.
Assim, o Re-food é o resultado da projeção e materialização de um esforço humanitário de cariz voluntário a nível local, onde os voluntários reúnem empenho e amor em prol do próximo, guiados por uma moral eudemonista coletiva. É bastante sensibilizante a solidariedade humana que se sente no interior destas instalações, onde tive o privilégio de presenciar, no Re-food da Freguesia da Estrela, e desde já os meus parabéns para a equipa fantástica e incansável, o cuidado e a dedicação que se sentia nas mãos e palavras dos voluntários ”Esta refeição é para aquecer porque o casal não tem eletricidade.” Deixa-nos a pensar, a fome, esse flagelo social, um czar impendioso, segundo as palavras de N. Nekrasov, que apenas pode ser combatido com comida, e não através de palavras preocupadas ou opiniões não comestíveis, comida resgatada pelas equipas de cidadãos que salvam mais de 20.000 refeições por mês, a um custo real de menos de 10 cêntimos por refeição. Um modelo brilhante, portador de uma extensão solidária desmesurada, eficiente e eficaz, otimizando assim os recursos comunitários que anteriormente se encontravam subaproveitados.Tudo isto através de uma fórmula simples e inovadora que em
simultâneo é gratificante para quem ajuda e nevrálgico para quem recebe essa ajuda.
Como podemos ver, tudo começou com um homem, uma visão e uma bicicleta, e esse homem “estrangeiro maluco” faz eco a Kafka quando dizia que os bons vão ao passo certo, os outros, ignorando-os inteiramente, dançam à volta deles a coreografia da hora que passa. As horas com a impetuosidade do tempo transformaram-se em dias, meses e anos, e hoje, deixa atrás de si um legado inebriante e inspirador que nos obriga a dobrar e a fazer uma vénia a Hunter Halder e, a todos os seus séquitos.

Parabéns!