terça-feira, 1 de abril de 2014

Malai na ilha do Crocodilo - Luz


Tudo passa (não é o que dizem?).
A primeira impressão é sempre dúbia e algo relutante, contudo, acaba por se tornar amenizada, híbrida e posteriormente doce. Afinal, Timor-Leste é bonito!
Após ter vivido 5 meses na ilha do lafaek, os sentimentos convertem-se. Viver em Timor é embarcar numa aventura, uma aventura onde se desconhece o ponto de chegada ou as paragens intercalares, uma aventura destemida. É uma ilha com uma história e cultura escrita a sangue, a qual ainda é bem presente nos semblantes dos locais, tudo passa, mas a dor e a mágoa persistem sempre.
Quando se viaja e transferimos o nosso pesado invólucro, que se arrasta pelo chão dos vícios, mimos e hábitos traiçoeiros é necessário criar uma distância deste, sussurrar-lhe calmamente ao ouvido e ir despindo-o devagar, como se fosse uma criança que fazer a birra. Assim ele vai cedendo, esmorecendo, as curvas plissadas dissipam-se perdendo cor e ficando mais moles. Aí é altura de o começar a moldar novamente e adaptá-lo, com calma e sensatez e educá-lo para algo que é novo e desconhecido e explicar-lhe que o que é novo não é necessariamente mau. Com tempo, as birras passam, a alma torna-se mais inócua e predisposta. Tempo de iniciar a caminhada com uma mente ávida de experiências!
Timor-Leste, o sítio onde tudo é inesperado e diferente. O sal assemelha-se a açúcar e o sal ao açúcar, quantas vezes me enganei a fazer o arroz, um arroz de tomate doce. Acaba por ser complicado decifrar certas atitudes e comportamentos, a adaptação não é automática, as coisas são desprovidas de sentido, ou então sou eu que não consigo perceber o verdadeiro âmago delas, sofre-se de miopia cultural. No início era algo que me causava algum formigueiro cerebral, mas tudo passa, e aos poucos e poucos foi passando…
No café:
“Boa tardi mana, coca-cola?” – Malai (estrangeiro)
“Sim, há!” – Mana (rapariga)
“Óptimo! Coca-cola ida se faz favor!” – Malai
“Sculpâ Senhora não há..”- Mana
“Não há? Acabou de me dizer que tinha!” – Malai
“Há mas não tem!” – Mana

Este é o cenário mais hilariante em Timor-Leste, e quem sabe está neste preciso momento a esboçar um sorriso envergonhado, pois sabem que é assim quase todos os dias, “Há mas não tem!”.
Aqui tudo se move com pés de chumbo, bem devagar devagarinho e com muita calma, os ponteiros do relógio arrastam-se e oscilam paulatinamente. Há tempo para tudo, um tempo bailarino e harmonioso sempre ao som das colunas das microletes românticas com nomes como “amo-te”, “Saudade”, “Cristiano Ronaldo”, dos apitos de saudação persistente dos táxis e das vozes inquietantes que nos assaltam com “ pulsa, pulsa, sim card?”. É Timor-Leste, não nos podemos sobrepor ao relógio local, uma coisa são os nossos tempos acelerados e conturbados, outra coisa é o tempo fleumático em Timor-Leste, tempo mole em cabeça dura, tanto acaricia que conquista! Portanto, temos aqui uma suave fricção, nada que não passe também, acabamos por nos vergar e perceber que temos de respeitar esse tempo, um tempo cansado pelo calor confortável que merece respeito!
Independentemente dos fusos horários que não são compatíveis com aqueles que o Google nos dá, percebi que os Timor é um lugar especial e que tem muito para nos oferecer, para além de ser das nações mais jovens do mundo, um país em plena adolescência, é muito bom saber que estou num sítio onde tudo se encontra num estágio extremamente vernacular e embrionário. Sei que daqui a uns anos, vou poder dizer como os meus avós “Na altura em que estive em Timor...” porque eu fiz parte, ou pelo menos tento na minha esfera pessoal mudar, ou tentar moldar, que é menos invasivo, determinados comportamentos para melhor. Não podemos entrar aqui em divergências ideológicas e culturais do que é melhor ou não para um povo. Penso que para decifrar este pequeno enigma, basta pensar que o melhor é algo que os vai ajudar futuramente, só pelo facto de poderem ter a oportunidade de terem a opção, depois se o fazem ou não, já não depende de mim nem de ninguém, mas tiveram opção de escolher, avaliar e interpretar. É de facto uma experiência única poder estar em Timor, a única coisa que nos torna ricos é viajar, que para tal também é necessário ter oportunidade e disponibilidade. É algo que ninguém nos pode locupletar, podem-nos tirar tudo na vida, penhorar sonhos, hipotecar sentimentos, mas, aquilo que vivemos e sentimos é nosso, e isso está guardado num cofre à prova de estereótipos e inveja. Já faz parte de nós, do nosso adn!
Obrigada Timor! Obrigada Timor por fazeres de mim uma pessoa melhor, por me reiterares a ideia de que estamos em constante mutação espiritual, por me ajudares a encontrar 10% de mim própria, por me ensinares que posso comer arroz e frango com uma colher, que posso viver com menos daquilo que eu pensava, que posso tomar banho de água fria e não me queixar, por me fazeres deixares de gostar de expresso e apreciar café timor, por me tornar uma pessoa mais benevolente, pela maravilhosa água de côco que me ofereces, pela companhia deambulante, por me fazeres crer que a vida é aquilo que nós queremos que seja e por todos os momentos e experiências boas que me ofereceste que fizeram crescer a minha inteligência emocional!
Se isto fosse quantificável teria de pagar um excesso de peso colossal, teria de me chatear no aeroporto e tentar “subornar” a hospedeira tão querida do aeroporto de Díli, o que me vale é que as máquinas do aeroporto, portadoras de uma tecnologia de ponta, ainda só detectam a quantidade e não a qualidade!


Uma Malai em Díli



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