Dia dos namorados, dia em que se
celebra o amor! Vêm-se nas ruas corações palpitantes em cima das cabeças das
pessoas, prendas histéricas a saltar em forma de embrulho para fora das lojas
algemadas a uma mão subordinada a um coração apaixonado. Ramos vermelhos a
colorir a visão dos transeuntes transbordando paixões exaltadas, que fazem
cócegas irritantes aos corações solitários e que, fazem soluçar sorrisos
forçados que se formam bem devagar até aparecerem os dentes onde nós lemos “que
pirosada” mas de quem ouvimos “que flores lindas”. Uma verdadeira antítese de
amor. Ou então, flores mais despidas e pobrezinhas mas rodeadas de versos de
poesia no ar que gritam amor, porque o amor nunca é pobre. Os mais pequeninos
trocam as suas primeiras cartas de amor envergonhado e imaculado na escola,
fazendo brotar assim alguns pedidos de namoro, com as cruzes no “sim, não ou
talvez” que aparecem nas mochilas das meninas (e dos meninos também claro).
Ah que quadra tão cheia de
sentimento, o nosso coração acorda de um sono profundo e ataráxico no dia 14 e
decide ser lamechas. Ser lamechas é bom, é óptimo! Ele salta para um trapézio
cheio força e exorciza todo o amor reprimido e escondido no coração, sofre uma
morfogénese, respira oxigénio, abre os olhos e vive, o amor vive e explode no
dia 14 como foguetes e caiem pozinhos mágicos do céu (parecidos com aqueles da
Sininho do Peter Pan, sim aqueles que fazem voar).
Não, como já puderam constatar,
não vou resvalar no cliché de dizer
que sou contra o dia dos namorados argumentando que “o amor deve ser celebrado
todos os dias”, porque isso todos nós sabemos (ou sentimos) nem vou tropeçar na
cólera e dizer-vos que, este dia é uma “tontice”, porque também não concordo
com tal ideia impregnada numa melodia triste de amargura.
Que dia lindo e perfumado! Ficou
ainda melhor quando me deparei com o Sr. Amor, não podia ter sido brindada com
melhor companhia, que maravilha. Corri para o abraçar de braços esticados e
abertos, quando ele me diz:
- Ai não me atrapalhes! Falamos depois que agora
estou com muita pressa, não sabes que dia é hoje? Arre! – dizia ele
ofegante a correr e a cambalear ao mesmo
tempo com a sua gabardine bege e chapéu à Carlos Gardel.
Está muito bem, pensei eu
conformada! Já nem o amor tem tempo para mim, encolhi os ombros e continuei o
meu percurso pela rua do Carmo, ladeada de ruas estampadas com corações, com um
número nas vitrinas, 14.
Bem, e assim se passou o dia,
numa narcose de amor constante. A nossa atenção flutua entre o onírico e a
realidade que acabam por se misturar revolucionariamente por osmose.
No
final deste dia tão quente, quando regressava a casa, voltei a encontrar o Sr.
Amor, aquele desgraçado, mas desta vez ele estava diferente. Estava calmo,
sentado numas escadas lúgubres, ignoto na sombra do seu pensamento. As suas
bochechinhas cor de nácar estavam húmidas, as suas sobrancelhas descaídas com o
pesar do seu desgosto e o seu semblante entorpecido. Aquele quadro de Paula
Rego de amor babaço comoveu-me, aproximei-me
dele com passos tímidos e perguntei-lhe:
-Então Sr. Amor, está tudo bem?
Precisa de alguma coisa?
Ele desviou o olhar macilento
para o chão cravado de pastilhas gastas e copos boémios e respondeu:
-Sim… preciso de amor, já é dia
15, sinto-me esquecido, com frio e sem encanto, como a Cinderela depois da
meia-noite sem o seu sapatinho – murmurava o Sr. Amor.
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