Regressar a casa e aterrar em
Portugal depois de umas longas e intermináveis horas foi literalmente uma
missão. Senti que a minha alma era dotada de uma elasticidade incrível, os pés
em Portugal e cabeça ainda em Timor-Leste.
Chegar a casa é bom!A última recordação que tenho da porta de minha casa
era das lágrimas dos meus pais e irmãos antes de partir e da agitação
inconsciente dos meus cães, sabiam que algo se estava a passar mas não
percebiam muito bem o quê...Timor-Leste felizmente para eles não fazia parte do
léxico canino. Quando entrei no meu quarto a primeira recordação que me assolou
foi a histeria da mala e dos espectrais 20 kg que ali se tinham vertido há 6
meses atrás:
-"Achas que isto tem mais de 20
kg?" - dizia eu aflita.
- "Não achas!Nem chega aos 15
kg!" - explicavam os meus irmãos.
Enquanto isso já eu estava a pensar
na cara da senhora do aeroporto que me poderia dizer hipoteticamente que teria
de pagar excesso de bagagem, mas não, daquela vez passou!
Estava todo arrumadinho e diferente. A minha mãe comprou-me uma colcha nova cor-de-rosa com o meu tais colorido
colocado no fundo da cama, afinal o quarto não estava igual!
Regressar é sempre um sentimento
muito singular, vimos sôfregos de saudades e a transbordar novidades que se
atropelam antes de lhe darmos vida, temos uma vontade infinita de mostrar aos
outros aquilo que vivemos mas, não é assim tão fácil como parece. É como se o
nosso cérebro estivesse em cima de um trampolim que não lhe dá descanso, e ele
está ali a saltar, de um lado para o outro nas molas das perguntas sonoras das
pessoas que o estimulam constantemente...e às vezes ele adormece, mas continua
a saltar em constante efervescência... É engraçado as abordagens que são
feitas"Já voltaste? E aquilo é giro? É muita pobreza não é? Ai agora aqui
é que estás bem não é? Já não voltas mais pois nao? Tão longe..já acabou o
martírio, aqui é que tu estás bem!".
O que posso eu dizer? Que não vou voltar?Que não vou sair de Portugal seja para onde for? Que não gostei? Estaria a mentir.. e a verdade é que menti e minto...é mais confortável assim para todos. Um simples sorriso com dois significados e todos ficam contentes!
Sento-me num café, as perguntas
curiosas despontam naturalmente e aí a minha saudade ganha forma e começo a derreter-me em histórias. É bom ver no olhar das pessoas a surpresa e o espanto
de coisas que existem e estão tão longe de nós e, é melhor ainda sermos nós o
veículo de informação, explicarmos e descrevermos os cenários, pessoas,
culturas, é como estar a pintar um quadro. Um quadro bonito e vivo, um quadro
com cheiro e sabor que se vai aproximando e envolvendo cada vez mais as
pessoas, e esse sentimento fugaz é único, vimos e temos consciência que criámos
algo, algo que fica e que as pessoas guardam, algo com valor, é um privilégio
fazê-lo! O cenário é bastante mórbido quando o desfecho é diferente, quando
estamos a contar algo a alguém e essa pessoa nos diz "Ahhh, está bem, que
bom! Olha sabias que o café do não sei quantas fechou? Eu sempre disse que
aquilo não ia durar muito tempo!". Nestes momentos parece que levámos uma injecção
de dormência, paramos e pensamos que nós estamos diferentes, já não somos os
mesmos, algo mudou, muito antes de nos termos apercebido desta mutação
espiritual. Regressar é bom, mas até que ponto? É bom recarregarmos baterias,
recebermos os mimos calóricos dos pais e irmãos, ir aos super mercados e pensar
que vai ter tudo aquilo que nós queremos comprar porque o jumbo ou o pingo doce
não estão à espera que chegue o ferry boat com leite, natas ou coca-cola da
indonésia. É muito bom, mas até que ponto? Qual é o prazo de validade deste
sentimento? Não sei... já tentei procurar mas a validade não aparece, acho que
vou ter de ser eu a estipular. O problema é que não basta alimentar o físico, é
necessário alimentar a alma, e essa é uma verdadeira tirana, faz do nós o que
quer, molesta-nos sem darmos conta, repreende-nos.. e o corpo lá se vai
vergando e regrando pelos seus vícios e admoestando-se pelos seus caprichos. E
vive-se assim, meros peões das vontades vis da alma. Não se pode fazer nada, a
solução é caminhar e percorrer de mãos dadas com ela os caminhos sinuosos da
vida e aprender em conjunto, pode ser que um dia se encontrem e vivam uma
história de amor.
Nada é igual ao que era ontem, cada
vez acredito mais que nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos,
e tal como dizia Orson Welles, "somente através do amor e das amizades é
que podemos criar a ilusão, durante um momento, de que, não estamos
sozinhos".
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